Maratona de Lanzarote: um jogo com duas partes distintas

Falar desta Maratona de Lanzarote leva-me àquela frase feita do futebol, quando numa primeira parte as coisas estão a pender para um lado e a segunda é totalmente o oposto. O chamado “foi um jogo com duas partes distintas”. Foi assim. Foi mesmo assim…

Lanzarote surgiu um mês e meio depois de Palma de Maiorca, já em pleno processo de preparação para Sevilha e era a oportunidade ideal para testar um pouco de tudo. Desde o descanso pré-prova, passando pelos ritmos e também nutrição. O primeiro ponto não foi propriamente conseguido, porque apenas cheguei à ilha cerca de 14 horas antes da prova – que se corria a um sábado. Mesmo assim, consegui descansar bem e comer bem. O problema acabou por ser a hidratação, algo que com viagens aéreas pelo meio é normalmente prejudicado.

Quanto aos ritmos, a ideia era fazer um treino longo, com 10 quilómetros a rolar (uma espécie de aquecimento), antes de fazer 20 em ritmo próximo ao sub-3, mais 2 a ritmo mais fortes, para fechar com mais 10 a rolar. Era uma forma interessante de abordar a maratona, de ter um desafio, mas também para colocar um travão em ideias… Em teoria era um plano exequível, ainda que a prova não fosse propriamente fácil. Se o conseguisse, sabia que estava numa grande forma ainda a dois meses e meio de Sevilha.

O outro ponto era a nutrição. A fórmula já está encontrada, mas queria reforçá-la, trocando o gel final para um novo da 226ers, que está especialmente desenvolvido para ser o último a ingerir, por conta da presença de frutose – para mais, tem 55g de hidratos, contra os 50g do outro. A ideia, por isso, era repetir a fórmula de Praga, trocando apenas o último.

10′ antes – Smart Fuel
40′ – High Energy
1:10 – High Energy
1:40 – High Energy
2:10 – High Energy
2:35 – High Fructose

Com isto, contando o Smart Fuel antes da partida, a minha ingestão seria:

  • 1142 kcal
  • 266 gramas de hidratos de carbono (cerca de 90g/h)
  • 8g de gordura

Em teoria, para Sevilha será mais ou menos esta a estratégia, pelo que esta era mesmo a oportunidade ideal para testá-la. Se correu bem? Não… mas já lá vou.

A prova, parcial a parcial

A corrida arrancou pouco depois das 8h00, mesmo em frente ao Sands Beach Resort, o hotel onde estava instalado. Algo perfeito para dormir um pouco mais, tomar o pequeno almoço de forma tranquila e sair para aquecer uns 20 minutos antes.

Quando a prova começa, foi fácil encaixar o ritmo pretendido, mas a verdade é que logo aí sentia as pernas não tão leves e soltas como esperava. Talvez a viagem em cima da hora estivesse a ser paga… Os primeiros quilómetros andaram em torno dos 4’30/35, mesmo com algum sobe e desce, que era o prato forte (inesperado) desta maratona.

Lanzarote não tem uma prova com grande elevação, é verdade, mas são raros os palmos planos de terra. Ora sobe, ora desce. E isso torna um pouco difícil o controlo do ritmo, mas ao mesmo tempo também permite dar um plus de dificuldade e testar sensações em condições menos boas, o que é bom para o aspeto mental. Foi um pouco isso que tentei reforçar nesta maratona, sempre adaptando o ritmo ao esforço, de forma a não passar um determinado limite.

Foi nessa lógica que fiz os primeiros 10 quilómetros. Consegui encaixar um bom ritmo, variando entre parciais a bater nos 4’30 com outros acima dos 4’40 quando o perfil subia um bocadinho. Tudo bem controlado, tudo bem gerido, porque este era um treino. E não uma prova alvo.

Dos 0 aos 10 km: 45.49 (@4’35/km)
Nutrição: High Energy aos 40’t

Aqui era a descer. Depois ia subi-la…

Vamos lá acelerar

Quando cheguei aos 10 quilómetros, as pernas já estavam um pouco mais despertas e a hora era de imprimir um ritmo mais forte. Queria andar pelos dos 4’15, talvez um pouco mais rápido, mas mantinha a mesma ideia de não exagerar. Se sentisse que era demasiado, baixaria o ritmo. Sempre naquele perfil de sobe e desce, acabou por ser relativamente fácil ir encaixando os parciais. Comecei em 4’10, reduzi para 4’16 e dali em diante andei sempre bem controlado entre os 4’15 e 4’20.

Por ter aumentado o ritmo, dei por mim a ultrapassar muitíssimos corredores, que ao verem-me passar, quase que nem uma flecha, ficavam um pouco confusos… Não os condeno! Quando chego aos 15 km, já com as pernas até bem mais soltas do que no começo, entrámos numa zona de ciclovia, com um passeio em calçada, que por conta da chuva ficou um pouco escorregadia. A escolha de sapatilhas era também para fazer um teste nessas condições e o resultado foi dececionante.

Por largos metros nesta fase, as Novablast 4 revelaram-se um perigo e obrigaram-me a um cuidado adicional para não cair. Cheguei a estar muito próximo de ir ao chão e aquilo, confesso, assustou-me um pouco e levou-me a, dali em diante, pisar com muito cuidado o chão, sempre que saísse de zonas de alcatrão. Não serve como desculpa, mas dificultou…

Ainda ia fácil. Pudera, o vento ainda não era contra…

E foi assim que, pé ante pé, segui até ao ponto de retorno, sempre ali à beira mar (apenas com uma pequena incursão por uma zona residencial interior) e com uma passagem incrivelmente interessante junto ao aeroporto, que me permitiu ver aterrar e levantar voo pelo menos uns 6 aviões.

Quando faço o retorno, aos 21 quilómetros, começou a verdadeira maratona. Eu sentia que estava algum vento, mas nunca esperei que fosse tanto. Assim que viro, levo uma verdadeira chapada no rosto. Do nada, parecia que ia constantemente a subir, tal era o esforço que tinha de imprimir para manter o ritmo que trazia.

Passei à meia com um tempo muitíssimo interessante para quem vinha fazer um longo: algo em torno das 1:33:00. Repetindo na segunda meia, algo que estava nos meus planos, ia conseguir encaixar uma das minhas mais rápidas maratonas de sempre. Num treino!

Mas o que se seguiu mostrou que isso ia ser algo totalmente impossível. Nem valia a pena. Eu tentei, mas rapidamente percebi que era uma luta perdida. Os dois primeiros quilómetros nesse sentido, de volta ao ponto de partida, foram feitos em 4’27. E parecia que ia a 4′! Nesse momento senti que trazia na minha ‘cola’ um outro corredor. Sempre ali, coladinho, a aproveitar o facto de eu estar a levar com o vento todo no focinho.

A levar com o vento na cara, sempre com um corredor na minha ‘cola’

Como não vi qualquer iniciativa dele para ajudar, desviei-me e abrandei, indicando-lhe para ir ele para a frente. Soltei um palavrão em português, confesso, antes de me meter atrás dele. Que diferença! Ir ali atrás, com uma proteção do vento, fez-me poupar imensa energia e era agora fácil (ou menos difícil) suportar aquele ritmo. Mas não ia ser guloso. Mesmo não o conhecendo, comecei um trabalho de equipa. Nunca contabilizei bem a coisa, mas acho que fizemos uma gestão de 600 metros cada um, um pouco ao ritmo das sensações. Quando nos sentíamos mais frescos, depois de ir ali protegidos do vento, passávamos para a frente.

Foi um incrível trabalho de equipa, mas não fez muito no ritmo médio, que passou dos 4’18 que tinha à meia para parciais super próximos dos 4’30. Quando chego aos 27 quilómetros, depois de ter encontrado outro corredor para se juntar ao comboio, senti que não fazia sentido continuar a forçar. Ia começar a gerir. Aos 28 caminhei uns 100 metros e faço esse parcial em 5’09. Volto a correr, mas já bem acima dos 4’30: ambos os parciais em 4’43.

Teste à nutrição não foi bem sucedido

Fiz esta parte intermédia, estes 20 quilómetros, em 1:29, uns 10 segundos por quilómetro mais lento do que aquilo que queria. Mas tinha – sabia que tinha – de colocar as coisas em perspetiva. Com aquele vento de frente – acreditem que era mesmo forte! -, mais o sobe e desce da ilha, estar a correr a 4’15/km seria o equivalente a fazer em plano a 4’05, pelo menos!

Neste ponto também houve outra coisa a dificultar a minha tarefa. O meu estômago não estava nos seus melhores dias. Consegui meter os três primeiros geis, mas caíram-me sempre um pouco ‘pesados’ no sistema. Sentia-me cheio e sem grande vontade de ingerir mais energia. Por isso, ao perceber que não ia cumprir o treino como pretendia, que ia ser mais lento, decidi abdicar dos outros dois geis que tinha no plano.

Dos 10 aos 30 km: 1:28.55 (@4’26/km)
Tempo total: 2:14:45
Nutrição: 2 High Energy (1 aos 1:10 e aos 1:40)

E forçar ritmo com este vendaval?

Os últimos dois quilómetros do parcial anterior serviram para ganhar um pouco de energia para encarar este derradeiro momento de dificuldade. O plano pedia-me para correr entre os 3’58 e 4’13 e queria pelo menos cumprir pelo ponto mais lento, colocando sempre em perspetiva a questão da dificuldade acrescida – tinha aqui uma pequena subida de 500 metros a acrescer ao vento. Quando arranquei, por estar numa zona residencial, algo protegida, consegui entrar nos 4’00, mas rapidamente perdi o gás quando voltei a ficar exposto. Isso fez-me acabar esse primeiro quilómetro em 4’09/km. Estava tudo bem. O pior foi o seguinte, quando tive a tal subida. A pouco e pouco fui perdendo gás e acabo por fazer este segundo quilómetro rápido a 4’21. Fechei este parcial mais rápido com um ritmo médio de 4’17/km. Mais lento do que me pedia o plano, mas no esforço acredito que estava bem dentro do pretendido.

Dos 30 aos 32km: 8:40 (@4’17/km)
Tempo total: 2:23:26
Nutrição: nada a registar

Gerir até final, mesmo que seja preciso caminhar

Depois de um esforço quase em sprint, nem pensei duas vezes. Se tivesse de caminhar, ia caminhar. Até porque, praticamente depois de baixar o ritmo, vinha uma parede… daquelas! Ainda a comecei a correr, mas terei feito uns 250 metros a passo apressado. Nesse momento alguns corredores passaram por mim e deram-me palavras de força. Eu respondi que estava bem. Era só gestão. Quando supero essa subida, volto a correr. E dali em diante não iria voltar a parar.

Agora o pedido pelo plano era simplesmente rolar, ali algures entre os 5′ e os 5’30. Era um pouco ao ritmo das sensações, mas não teria qualquer problema em fazê-lo a 5’30. Mas a verdade é que, depois das dificuldades anteriores, e mesmo com vento de frente, passou a ser relativamente fácil correr perto ou até abaixo de 5′. O ritmo cardíaco baixou e já andava pelos 130/140. Aqui e ali voltava a ter umas subidinhas, mas o meu ritmo de corrida mantinha-se bastante estável. Claro que estava a custar. Mas não estava a ser demasiado difícil.

Quando passo os 38 quilómetros, encontro o corredor que se tinha juntado no ‘comboio’ que tínhamos formado quando íamos contra o vento. Ele tinha continuado e aguentado bastante bem, mas com o meu aumentar de ritmo acabei por aproximar-me dele e eventualmente apanhá-lo. O vento continuava a não dar tréguas, mas aqui como era ele que ia em dificuldades, disse-lhe para se colocar atrás de mim. E assim seguimos até perto final… até perceber que ele tinha ficado para trás e que, sem eu perceber, um outro corredor se tinha aproveitado do cone de ar que ia fazendo.

O corredor inglês que tentei puxar nos quilómetros finais

Só me apercebi a uns 500 metros da meta, quando esse corredor que vinha atrás de mim decide ultrapassar-me e aumentar ritmo até à meta. Quando o vejo passar e deixo de ver alguém atrás de mim percebo que estava a puxar o atleta ‘errado’. Fiquei com pena, confesso…

Quando vejo a meta, não sprintei. Não fazia sentido. Olho o relógio e reparo que os quilómetros não iam ser propriamente os certos. Sim, eu sei que o relógio não marca a distância certa, mas ando nisto há tempo suficiente para saber que as falhas do relógio são sempre para mais e nunca para menos… Quando cruzei a meta, o relógio apontava 42.03. Faltavam 170 metros para os 42.195, mas que na realidade seriam uns 400 metros em falta, tendo em conta os normais desvios. Contas feitas, o meu tempo não seriam os 3:14 que o relógio apontou, mas talvez 3:16.

Dos 32 aos 42km: 50:45 (@5’06)
Tempo final: 3:14:11
Nutrição: nada a registar

Juan Carlos Albuixech, o diretor da prova, saudou praticamente todos os finishers

Fazendo um balanço da prova, diria que só posso sair satisfeito com aquilo que fiz neste dia. Porque, em treino, com um percurso difícil, com vento contra, consegui fazer uma maratona que entra para as minhas 10 mais rápidas. As sensações, confesso, não foram as melhores por não ter conseguido cumprir na segunda metade, mas também tenho plena noção da dificuldade acrescida que teve fazer uma meia completa sempre contra o vento. Por isso, se tenho algo a lamentar neste dia é mesmo o facto de não ter aproveitado para simular a nutrição.

E quanto à maratona? Vale ou não a pena ir a Lanzarote correr uma maratona? Vale, pois! Mas, atenção: não pensem em tempos. Esta é uma prova para irem curtir. Desfrutar da vista incrível, desfrutar de um fim de semana diferente. Um fim de semana entre amigos (ou família, se for dada a estas aventuras), que tem a vantagem de começar com uma corrida no sábado de manhã e poder acabar com uma noite de copos no sábado (e a ressaca correspondente na manhã de domingo).

Do ponto de vista da organização, diria que está bastante bem para aquilo que se pode esperar de uma prova desta dimensão. Nada correu mal. O processo de entrega do dorsal é bastante simples (a feira é pobre, mas é o que é); a partida da maratona é muito fluída e sem problemas; o percurso está maioritariamente bem marcado e delimentado, apenas contando com alguns pontos algo ‘cegos’. Mas o que mais destaco é mesmo a questão dos abastecimentos: muitos e bons. O que se agradeceu muito por conta do clima sempre algo húmido e abafado da ilha. E, depois, o final: um banquete pós prova digno de zona VIP… mas para todos! Só por aí, já me conquistaram!

E agora… venha Sevilha! Falta pouco mais de dois meses para a 40!

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