Palma Marathon Mallorca: mas de onde veio esta chuva toda?!

Sete dias depois do sub-3 em Chicago, lá fui eu para mais uma maratona. Era a sexta vez que fazia um back to back de 42,195 quilómetros e as últimas vezes que o tinha feito não me tinha dado muito bem. As últimas tinham mesmo sido até algo traumáticas, especialmente Copenhaga, onde levei uma das mais brutais marretadas das quais me recordo. Tinha, confesso, algum receio daquilo que podia acontecer. Não sabia ao certo de que forma o meu corpo ia reagir, especialmente porque dias antes tinha feito uma maratona em sub-3 e, para mais, vinha de uma longa viagem. Tudo pesado, podia influenciar e muito o resultado final.

Um dos maiores desafios foi chegar a Palma num estado de forma mínimo para correr uma maratona. Isso era algo complicado tendo em conta que, como habitual, ter aproveitado o pós maratona para desfrutar das belas (e gordas) iguarias que se encontram pelos Estados Unidos. Não me limitei, não me privei de nada. E não me arrependo de tê-lo feito. E a verdade é que até cheguei a Palma mais ou menos bem. Teria, talvez, uns 3 quilos a mais. Não era o ideal, mas também sabia que era necessário para acelerar a minha recuperação pós-Chicago.

Cheguei a Palma de Maiorca na quinta-feira ao final da tarde, nem 24 horas depois de ter aterrado em Lisboa após Chicago. Pode parecer muito cansaço, viagem em cima de viagem, mas a verdade é que, por outro lado, me permitiu descansar mais na ilha. Estive lá quatro dias, no incrível Zafiro Palace Palmanova, onde tudo tinha para recarregar baterias (para domingo). Isso envolvia também um farto buffet, que fiz questão de desfrutar… sem exagerar. Não foi fácil!

Na sexta-feira, para despachar logo a questão, aproveitei e fui até Palma para recolher o kit. O hotel no qual me colocaram era a 15 quilómetros de Palma de Maiorca e isso implicava sempre uma deslocação. Felizmente, Palma está muito bem servida de transportes públicos, com autocarros diretos e muito eficientes a ligar os principais pontos turísticos (Magaluf é ali ao lado) e a ‘capital’. E, já agora, o mesmo se aplica ao aeroporto, que tem ligações diretas aos principais pontos da ilha. E tudo pago, se quiserem – até é mais barato! – apenas à distância de um aproximar de cartão. Tudo simples!

Transportes para fora de Palma
Transportes no interior de Palma

Quando cheguei a Palma, fui direto à expo para recolher tudo. Localizada junto ao passeio marítimo, ganhava muitos pontos por ser feita ao ar livre, o que nos permitia sentir aquele cheiro e brisa bem característico da ilha. Não era grande, mas tinha o necessário e, acima de tudo, era organizada: primeiro a recolha do dorsal, depois a camisola e posteriormente o controlo do chip. Dali saído, o espaço da 361º e outras tendas com produtos habituais por estas andanças. Em 15 minutos estava visto e podia ir à minha vida. Isto é, dar uma voltinha em Palma, mexer as pernas para não ficar somente de papo para o ar e a meio da tarde voltei a Palmanova.

Uma vista geral da expo da maratona

O resto das horas até ao dia da prova foi muito simples: dormir, comer, piscina, passear, comer, dormir, passear, piscina… Não havia muito que inventar. Ah! No sábado de manhã corri 30 minutinhos, só para ver como estavam as pernas. Estavam bem! Inesperadamente bem. Não sentia que tivesse feito um sub-3 seis dias antes. Isto, já agora, sem ter a minha massagem habitual…

Mas que temporal é este?

Depois do frio de Chicago, quando vi a previsão para Palma percebi que muito provavelmente iria ter o total oposto. Na segunda-feira a previsão dava uns 25 graus à hora da prova e um sol que podia complicar muito a prova. Era uma exata cópia de Copenhaga e essa era uma das razões do meu receio. Com o passar dos dias a previsão foi mudado e, na véspera, já tínhamos ali uma previsão de chuva. Mas apenas durante a tarde e, supostamente, nada de mais. A temperatura, essa, tinha baixado na previsão. Não ia ser tão mau…

Mas qual não foi o meu espanto quando acordo, abro a janela e deparo-me com um temporal daqueles! Chovia a cântaros. Vou até ao pequeno almoço e chego lá encharcado. Isto ia ser bonito… Comi de forma responsável (orgulho!) e sigo para Palma na companhia do Dani Quintero, o responsável pela comunicação do evento. Mais vamos andando, piores ficam as condições.

A Maratona estava marcada para as 8 horas, mas era muito pouco provável que tal sucedesse. E até tememos que pudesse ser cancelada. Quando chegámos a Palma, na zona do porto, era praticamente impossível passar de carro, quanto mais a correr. Faltavam 40 minutos para a hora da partida inicial. Não ia acontecer. Chegámos ao ponto de partida e nem 10 minutos depois temos a comunicação de que a prova iria ser atrasada até às 8 horas. Tinha de ser…

Com mais 90 minutos para aguardar por melhorias, o São Pedro deu um jeitinho e pelas 8 horas o céu ficou mais aberto e, pouco depois, praticamente não havia nuvens. Faltava, ainda assim, escoar a água que se acumulou. As autoridades e os voluntários, num trabalho incrível trataram do assunto e às 9 horas estávamos a começar.

Ninguém diria que minutos antes tinha caído uma carga de água

Plano bem definido

Eu sei. Escrevo que me farto antes de chegar ao momento da corrida. Mas vocês sabem como é… Pois, bem, vamos ao que importa!

Na véspera, para não haver problemas, ou ter ideias de fazer coisas o que não devia, perguntei ao Tiago o que devia fazer na maratona. Ele rapidamente foi ao Training Peaks e desenhou um plano.

0 aos 30km: entre 4’58/km e 5’40/km
30 aos 40km: entre 4’30/km e 5’05/km
40 ao final: entre 4’13/km e 4’30/km

Ao ver isto, e sabendo do perfil ondulante da prova, fiquei a torcer o nariz àquele final, mas lá fui.

9h00 – Aqui vamos nós!

Com o plano na cabeça, tinha definido começar a 5’20 e andar por aí. Nunca mais rápido do que 5’15. Faço o primeiro quilómetro: 5’03. “Mau!” Estava no planinho, isso ajudava, mas gostava de ir mais lento. Queria, mas as pernas meio que não deixavam. Quis definir para mim mesmo, pelo menos, que tinha de ir confortável. E ia. E o relógio teimava em andar ali. 5’00, 4’59…

Passo aos 5 quilómetros em 24.57. Aos 10 em 49.59. Sim, estava dentro do limite que o Tiago tinha definido, mas sabia e temia que aquilo podia ser exagerado. O percurso plano ajudava e eu deixava-me ir. Sentia, também, que se fosse mais lento iria ficar algo desconfortável. As SuperBlast também davam uma ajuda…

A Catedral lá ao fundo no alto

Os primeiros 11 quilómetros da prova eram maioritariamente planos, ali junto do Passeio Marítimo, antes de irmos na direção do centro histórico, para algumas subidas algo pronunciadas e um sobe e desce que é capaz de partir pernas aos atletas menos bem preparados. Usei esta primeira volta (eram duas!) como uma espécie de reconhecimento para perceber se podia mesmo fazer os 4’30 e 4’13 neste percurso. Como sempre, fiz a subidas em força e passei uma data de gente. Estava mesmo confortável. Estava mesmo bem!

Dos 10 aos 20, mesmo com subidas, com sobe e desce, não perdi grande ritmo em relação ao que trazia, isto sempre aproveitando e desfrutando bastante do momento especial que era passar por aquelas ruas históricas a correr. Fiz estes 10 quilómetros em 50.38. Não havia problema em correr mais lento, mas senti sempre que as pernas estavam muito bem. Depois de passar aos 20, começámos a descer novamente até ao Passeio Marítimo, para atacar a segunda volta.

Agora somos só nós

Em Palma a meia e a maratona partem ao mesmo tempo, pelo que na primeira volta temos um grupo bem repleto de corredores e íamos sempre muito bem acompanhados. Quando chegamos perto dos 20, os maratonistas voltavam à direita, para a sua segunda volta; os outros iam para a esquerda, diretinhos à meta.

E foi num ápice que aquele grande pelotão passou a uma estrada longa com corredores separados por largos metros. Os maratonistas eram bem poucos e esta segunda meia ia ser algo mais solitária. Não muito, também não vou ser dramático. Mas éramos menos. Quando volto ao plano, o relógio volta a andar abaixo dos 5’/km. Não havia forma! Bem, se é assim, seja!

De onde veio esta chuva toda?!

Quem me segue sabe que tenho uma pequena pancada: não repetir minutos nas maratonas. E antes de arrancar certifiquei-me que via os minutos nos quais podia encaixar. Até escrever no dorsal: 32, 33, 35… Ora, ao correr assim rápido, ia ter de abrandar. Ou então parar. E foi mesmo isso que fiz aos 29, logo ali antes de arrancar para o split intermédio antes do ritmo final, com uma paragem de dois minutos em que fui à casa de banho e me hidratei. Deu para tudo!

O pormenor dos minutos no dorsal…

Mas antes de lá chegar, ainda há outra coisa a falar. Lembram-se do temporal da noite? Do céu aberto na hora da partida? De repente, no espaço de uns 5 minutos, o céu começa a escurecer e aos 25 começa a cair uma carga de água monumental! Mas a cântaros. Como durante a madrugada… E mal eu sabia que aquilo me ia acompanhar até bem perto dos 40! Levava a câmara na mão e rapidamente a minha preocupação passou protegê-la como podia da água. De pouco valeu, infelizmente.

E foi com este temporal que cheguei lá à tal paragem dos 29 quilómetros, depois de continuar a fazer quilómetros sempre em torno dos 5’00. Juro que eu tentava, mas estava incrivelmente confortável. Até fiz um a 4’50 como se nada fosse!

Ora vamos lá acelerar um bocadinho!

Passei aos 30 quilómetros em 2:32.30, depois de ter feito estes 10 quilómetros em cerca de 51.30. Tendo em conta a paragem, estava no limite do mais rápido. Aos 30, junto da zona da meta, com uma tempestade (ainda) a cair-me em cima, arranquei para o parcial mais veloz. As pernas estavam incrivelmente frescas. Quase não acreditava. Isto numa altura em que não tinha colocado qualquer gel no corpo. Tinha só levado 2, mas não tinha qualquer necessidade. Comi tão bem na véspera, que aquela prova ia ser um teste nesse particular. (Não o levem como exemplo!)

Faço o primeiro quilómetro em 4’43. O segundo em 4’40. Ia no planinho e estava confortável. Aos 33 voltávamos a subir. Era uma pequenina parede. Decidi colocar de lado os receios e soltei-me. 4’35 a subir. 4’28 num ligeiro momento de descida até à Catedral – era a segunda vez que ali passava e continuava a ser monumental e imponente. Até lá, por entre ruas e ruelas, as pessoas saudavam-nos nas portas de casa. Algumas à janela, outras enquanto passeavam, outras enquanto desfrutavam do seu pequeno almoço bem sentadinhas nos cafés…

4’30 a subir. 4’39 em nova subida e, aos 37 km, um travão abrupto. De repente, sem esperar, sem qualquer aviso, uma pontada na zona lateral do abdominal. A chamada dor de burro. Abrandei brutalmente o ritmo e passei aos 5′. Abrandei e parei para respirar. Uns 20 segundos. Recupero o fôlego, volto a correr e reentro no ritmo. Aos 38, ao subir ao ponto mais alto da prova, volto aos 4’33. Aos 39, aos 4’37. Aos 40, num derradeiro momento de subida que depois se seguiria a uma nova descida, volto a sentir a dor. Abrando de novo… retomo logo depois. Chego aos 40 depois de um parcial em 46.48. Estava bem dentro do ritmo, em 4’40/km. Sem as paragens teria sido se calhar menos um minuto. Mas sem problemas.

Na passagem pela Plaza Mayor

Agora é para acelerar… ou não!

Quando passo nos 40, queria cumprir o plano… pelo menos até a 1 metro da meta. Isto porque sabia perfeitamente que, a cumprir aquele ritmo, ia chegar à meta bem antes dos 3:32 desejados. Basicamente, tinha de repetir o que fiz em Viena. E sem problema algum! Acelero, aguento uns 400 metros naquele ritmo, até que vem nova pontada…

Esquece lá isso!“, pensei eu. Respirei, tento de novo, mas foi sol de pouca dura. Duas pessoas que por ali estavam, ao verem-me meio aflito, dão-me uma palavra de força. Recomeço a correr, mas esqueci por completo os 4’13/km. Ia ao mesmo ritmo de antes. Não valia a pena forçar. E assim segui. Subi, desci e passei o marco do quilómetro 42. Olho o relógio e ele aponta 3:30. Tinha tanto para esperar! Mas não ia passar a meta antes…

Parei e comecei a caminhar até à meta. Olhava o relógio a cada 10 segundos e o tempo parecia não passar. Cheguei ao primeiro tapete de controlo e parei. Olharam para mim para perceber o que se passava, se estava bem. Respondi que sim. Que queria esperar. Com um olhar confuso, aceitaram. Um minuto e tal depois, finalmente cruzo a linha meta, com o relógio a apontar os desejados 3:32 (no caso com 8 segundos).

Nota: qual não foi o meu espanto quando depois, ao ver os resultados, percebi que o primeiro tapete contou primeiro, pelo que oficialmente fiz 3:30.46. Mas para as minhas contas, não me importo de ter sido 80 segundos mais lento. Eu depois vou buscá-los na próxima maratona para tempo!

E assim, num ápice, praticamente sem dar conta, terminei a minha maratona número 38. Foi das provas mais tranquilas que me recordo do passado recente. Nem a chuvada, nem as subidas me afetaram. O único problema foi mesmo a tal dor de burro, que terá surgido eventualmente por conta da minha alimentação menos recomendada dos dias prévios.

De Palma levo essa experiência, mas também levo tudo aquilo que uns dias bem passados na ilha me deram e também uma boa impressão da própria prova. Não é uma grande maratona, não é isso que eles querem. Mas é uma maratona muito interessante, bem organizada e com tudo para ser um belo programa de família e/ou amigos para um fim de semana diferente. Ainda para mais quando no programa temos outras duas distâncias mais pequenas.

O apoio, mesmo com algumas zonas menos ‘povoadas’ junto ao porto, é até bem generoso, especialmente quando passamos no centro e enfrentamos as zonas com maior inclinação e dificuldades. E, depois, a experiência de correr num centro histórico é sempre algo interessante. Em suma… recomendo totalmente!

As melhores sensações. Não estava mesmo nada à espera

Como disse, fiz já várias maratonas consecutivas e nunca tinha tido grandes experiências. Palma foi a primeira na qual me senti bem. E também a mais rápida de todas. Sim, é certo que tive de parar abruptamente por causa da dor de burro, mas nunca foram as pernas. As pernas estavam e estão incrivelmente bem. Quase como se tivessem mais para dar em Chicago (e tinham, porque aquele minuto…). No fundo, foi o melhor indicador de que a preparação para Chicago foi mesmo muito bem conseguida. Agora, passados 10 dias, é hora de aproveitar o embalo e voltar ao trabalho. Não parei. Corri dia sim, dia não na semana seguinte. Sempre treinos muito confortáveis. E no dia 23 recomeçou tudo de novo. Sevilha está quase aí e vamos atrás dela!

A analisar o estrago… que foi nenhum

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