Há seis meses, em Chicago, tinha dito que aquela maratona tinha sido a prova (quase) perfeita. Seis meses depois, apesar de ter sido uns 90 segundos mais lento, posso dizer que Boston foi a prova sonhada, sim, a prova perfeita. Pela envolvência, pelo simbolismo do momento e também pela forma fantástica como me senti ao longo deste dia. Sim, quebrei na segunda metade, mas aquilo que apliquei ali foi a estratégia perfeita para conseguir aquilo que consegui. Mais um Sub-3… na prova claramente mais dura das 4 nas quais já o fiz.
Mas a verdade é que toda esta aventura começou mal… ainda antes de começar.
Dica 1: antes de iniciar a viagem, deixo-vos a dica mais importante de todas. Façam o ESTA e verifiquem que têm todos os requisitos preenchidos para entrar nos Estados Unidos. O ESTA normalmente é aceite sem complicações na plataforma online, ficando a cargo do agente da fronteira aceitar ou não a vossa entrada. Levem os documentos necessários impressos, só para facilitar.
Será que chegamos a tempo?
Numa lógica de poupança de dinheiro, decidimos ir para Boston apenas no sábado, inicialmente comprando um voo que nos faria chegar por volta do meio dia. Parecia perfeito, mas não era. Meses depois, a Delta (a companhia à qual comprámos a passagem) mudou o voo para três horas depois. Iríamos chegar pelas 15 e qualquer coisa. Não era o ideal, mas ainda daria tempo. Só que não deu… Chegámos ao aeroporto pelas 10 horas e pouco depois ficamos a saber que o avião estava com problemas. Atraso de 1 hora. De 2. De 3… Rapidamente percebemos que tínhamos de mexer-nos. E graças ao incrível trabalho do pessoal da Delta conseguimos que nos colocassem no único voo que restava rumo a Boston. No caso na TAP.
Dica 2: ao contrário do que fiz em Nova Iorque e Chicago, fomos para Boston somente dois dias antes da prova e esse é um ponto que, se fosse agora, teríamos feito de diferente. O ideal é ir na 6.ª feira, de forma a que possámos ir à feira o mais rápido possível. Se der para ir na 6.ª mesmo, perfeito! Se não, no sábado está tudo bem. Ficamos para domingo já pode ser mais confuso. Até mesmo para depois descansar, o corpo e mente.
Ao invés de sair às 12h50. Saímos às 17h30. Ao invés de chegarmos às 15. Chegámos às 20. A ida à feira tinha mesmo de ficar para domingo. Não era o ideal, mas não era problemático. O que ficou foi, claro, o desgaste acumulado. Mental e físico, de estar ali 5 horas à espera no aeroporto. Mas, uma vez mais, o meu aplauso à forma como a Delta lidou com o problema e, já agora, a forma civilizada como todos os passageiros se comportaram perante o que sucedia. Nem parecia Portugal!
Dica 3: do aeroporto de Boston temos várias formas de chegar ao centro e/ou aos arredores. Se forem para o centro, diretos para a Feira, têm um autocarro gratuito que vos leva do aeroporto até à porta da mesma. Podem consultar tudo no site do Logan Express. Podem também utilizar Lyft ou Uber, com preços relativamente baixos, até porque a viagem é bastante curta.
Chegados a Boston, seguimos para Braintree, onde ficamos alojados nesta aventura. Eu, a Filipa, o João, o Marcelo e o Ricardinho e a Ni, que nos dias seguintes acabaram por decidir ir para Boston e ficar mais perto da prova. Ficamos separados, mas a aventura foi vivida a 6 e até com a promessa de repetir. Porque foi mesmo um fim de semana prolongado muito bem passado. Apesar de todas as peripécias.
Dica 4: A nível de eSim, se funcionarem no vosso telemóvel, têm várias opções, como a Holafly, Airalo, AloSim, etc. É tudo uma questão de estudarem os melhores planos. Se não puderem ter eSim, podem sempre comprar um cartão físico. Nesse caso recomendo a T-Mobile, que já tinha utilizado em Nova Iorque e Chicago. Pagam 10 dólares pelo cartão, mais o valor do vosso pacote. No meu caso, escolhi um com 10GB de dados, que ficou por 30€. Abaixo têm outros valores, mas este de 30€ parece-me perfeito. Dos 10GB, mesmo utilizando muito, fiquei ainda com 1GB de sobra. Chega perfeitamente.
O domingo, aqui estranhamente véspera de prova, começou com a corrida (?) matinal dos adidas Runners e, depois, a ida à feira, o almoço e regresso à base. A feira, não sendo nada de espectacular, estava muito bem organizada. O processo de entrada não pareceu nada confuso e a forma como tentaram fazer as pessoas fluírem no edifício (andámos ali às voltinhas) foi muito bem conseguida. Lá dentro, primeiro a recolha do dorsal, depois a visita aos mais variados expositores. Metade deles tinham ligação direta à corrida, como marcas de calçado, suplementos e provas. O restante era um pouco mais no aspeto institucional. Faz parte. Falando do material desportivo, os produtos especiais da adidas para esta prova foram claramente o ponto alto. Inicialmente até pensei não fazer o investimento no casaco, mas quando o vi percebi que tinha mesmo de ser!
Dica 5: Onde ficar? Essa é uma das questões mais complexas de Boston. Perto da partida, perto da meta ou a meio termo? Não há resposta certa para isto. O que é essencial é ter um metro por perto. Se o tiverem estão mais ou menos safos para ambos os efeitos. No nosso caso, ficamos em Braintree, uma pacata cidade a 20 quilómetros do centro de Boston (para Sul), que nos pareceu uma bela opção. Em 50 minutos de metro estávamos em casa e isso até nos deu tempo para relaxar. Para 4 noites, numa casa que daria para 5 pessoas, pagámos perto de 1000 euros, o que foi um preço bem acessível, especialmente tendo em conta o que se praticava por estes dias. Praticamente o triplo na zona mais central! (Tenho uma dica extra, mas vão ter de ler até final… 😂)
Comer bem, descansar… o possível
Em Sevilha tinha cometido dois erros: não descansar convenientemente na véspera e não me ter alimentado como devia ser. Em Boston decidi mostrar a mim mesmo que tinha aprendido a lição. Descansei o necessário e comi muito bem. Sem medos de estar a comer demasiado. E isso acabaria por revelar-se decisivo para o desfecho do dia seguinte. Ao almoço, tal como em Chicago, optámos por ir ao Chipotle, para um grande bowl de arroz com umas ‘cenas’ lá pelo meio. Era o que precisávamos: hidratos! Ao jantar, superiormente confecionado pela Filipa, a já habitual massinha. Tudo pronto para a batalha.
Dica 6: não inventem nas refeições nos dias prévios à prova. Boston, como grande parte das cidades norte-americanas, é um mundo de gordices em modo XXL, mas isso é coisa para ficar para depois da prova. Mesmo que vão para a prova numa de desfrutar, acreditem que refeições mal feitas na véspera podem condicionar a vossa experiência global. Deixem aquela pizza, aqueles donuts ou cookies para o pós-prova. Vai saber-vos muito melhor! No nosso caso, optámos por repetir a fórmula de Chicago, com um almoço pré-prova no Chipotle e um jantar em casa, com massinha, claro!
Começa a aventura!
E chegou o dia de prova. Ao contrário de várias das maratonas que fiz para tempo, em Boston dormi muitíssimo bem. É raro e quando acontece fico a desconfiar. Acordei, despachei-me sem pressas, tomei o meu pequeno almoço habitual e pelas 5:40 estávamos a sair de casa rumo a Boston. Ainda apanhámos algum trânsito, mas nada de problemático e chegámos bem a tempo ao centro nevrálgico da prova, onde estavam os bengaleiros, os autocarros que nos levariam à partida – e ainda a linha de meta.
Pequeno almoço pré-prova:
– 4 tortitas de arroz com compota
– meia banana
– café com bebida de amêndoa
– HydraZero da 226ers em 750ml de água
Num processo muito tranquilo e bem organizado, a 20 minutos da hora prevista de partida para os autocarros deixámos os sacos no bengaleiro. Eu, o João e o Marcelo. A Filipa e o Ricardinho iriam depois. Demos uma última palavra de força e fomos à nossa vida. Pelas 6:50 estávamos a apanhar o nosso autocarro escolar rumo a Hopkinton. Nesta viagem, a 10 minutos de chegar, tomei o segundo pequeno almoço (um bagel, compota e meia banana). Faltariam 2:30 horas para o início da prova. Meia hora depois bebi a última gota de água antes da partida.
Dica 7: cheguem à zona de meta com pelo menos 1 hora de antecedência, para terem tempo de deixar as coisas no bengaleiro, irem à casa de banho pela primeira vez e chegar, sem pressas, aos autocarros. Levem nesta viagem um segundo pequeno almoço, que recomendo tomarem ainda antes de chegar à Village.
Chegados à Athletes Village, o primeiro passo era ir à casa de banho. Fomos uma, duas e três vezes. É o necessário, para não acontecer o que aconteceu em Chicago. Encontrei o Paulo, que estava ali como voluntário, e ainda o Tiago Oliveira, com quem fui até ao momento da partida. O João e o Marcelo foram à vida deles, já que estavam num Corral mais à frente.
Dica 8: o dia não estava muito frio – e até aqueceu bastante! – mas é praticamente obrigatório levar uma roupa quente para descartar. Se se esquecerem, basta dar um saltinho à Primark e comprar, como eu, umas calças e uma camisola por um total de 18 dólares. Outra dica importante é levar umas sapatilhas para descartar, especialmente se estiver chuvoso. A Village é localizada num terreno relvado, que com o desgaste pode ficar algo enlameado. Isso ou levem um saco em cada par de sapatilhas que levam calçadas.
A primeira verdadeira noção de que estava a correr a Maratona de Boston deu-se ainda antes do tiro de partida. Quando saímos da Village para chegar à zona de partida, ao invés de outras provas, não tive qualquer pressa. Fiz o meu aquecimento e consegui a proeza de ser dos últimos a sair dali. A ponto de ter ouvido, a meio de umas retas, a “last call”. Pensei para mim ‘todos os que estão nesta Wave 1 são rápidos. Não há pressa de chegar lá à frente‘. Não havia. De todo.
Eram 9h55 quando tocou o hino norte-americano. Como em Nova Iorque, como em Chicago, aquele momento era incrivelmente sentido. Acredito que um terço dos que ali estavam eram estrangeiros e não tinham qualquer afinidade com aquele hino, mas a forma como ele foi sentido foi bem especial. É sempre. Dali em diante não havia volta a dar.
Nutrição pré-prova:
- Energy Shot a 15′ da partida
Dos 0 aos 5 km: pé no acelerador
Total: 0:20:33 (4’07/km)
Projeção: 2:53:25
Estava no bloco de partida 7 (o chamado ‘corral’) e apenas iniciei a minha prova pelas 10h05. Pé ante pé, sem pressa nenhuma, sem atropelos, fomos chegando-nos até à linha de partida, até que ela chegou. Confesso que, no meio da emoção do momento, praticamente nem me apercebi do ponto de passagem na partida. Quer dizer, apercebi-me, mas ele não era tão monumental como esperava. Quando arranquei o plano era claro. Fazer a primeira parte rápida, mas sem passar dos limites. A ideia era fazer ali algo em torno dos 4’05/4’10. No início, provavelmente para facilitar a coisa para os europeus, tínhamos marca de quilómetro e quilómetro e isso permitiu-me controlar logo o que vinha fazendo, sempre em lap manual. 4’06, 4’09, 4’08, 4’04 e 4’04. Contas feitas, passo aos 5 quilómetros a 4’07/km, sem me sentir nada no limite. Sim, mas sabia que a procissão ainda ia no adro e, aqui, um arranque demasiado violento, iria ser demolidor aos quads.
Dica 8: nos primeiros 10 quilómetros a organização coloca a marcação da distância tanto em quilómetros como em milhas. Depois disso, surgem a cada 5 quilómetros e, também, à meia maratona – e, claro, a cada milha.
Dos 5 aos 10 km: acalma os cavalos!
Tempo parcial: 0:20.46 (4’09/km)
Total: 0:41.19 (4’08/km)
Projeção: 2:54:20
Passada a descida vertiginosa, seguia-se uma légua algo mais ‘plana’. Coloco entre plicas porque, como bem senti nas pernas, Boston pouco tem de plano. Depois de ter arrancado forte, com o meu parcial mais rápido, aqui procurei começar a estabilizar o ritmo. Andar ali pelos 4’10 era o ideal para esta primeira meia, tendo a perfeita noção de que, na segunda, esse ritmo iria baixar de forma considerável.
As sensações nesta fase foram estranhas. Depois daquele início rápido e de ter conseguido manter bem o ritmo, comecei a sentir que, se calhar, este não ia ser o dia. Uma sensação que, curiosamente, tinha tido na mesma altura em Chicago, por exemplo. Uma questão mental, provavelmente, porque depois consegui soltar as amarras e ir. Ir ao ritmo que tinha idealizado. E até um nadinha mais rápido.
Nutrição: primeiro High Energy Gel aos 40′ (200 kcal + 50g de hidratos) e água em todos os abastecimentos
Dos 10 aos 15 km: cruisin’!
Tempo parcial: 0:20:48 (4’10/km)
Total: 1:02:07 (4’08/km)
Projeção: 2:54:44
Com o ritmo já bem definido, a terceira légua foi, provavelmente a menos interessante de todas em termos de incidências. Foi correr, correr e mais correr. Mantive o ritmo, passei a sentir-me bem e ganhei novamente um pouco de confiança. Quando chego aos 15k, o relógio mostrava que tinha sido super regular nesta fase, muito provavelmente por esta ter sido a fase mais ‘plana’ de todo o percurso.
Dica 9: o início é tentador para correr rápido, mas têm de ter em conta que os quilómetros rápidos nesta fase a descer vão deixar os vossos quadríceps totalmente destruídos. Por isso, se estão a ler isto ainda antes de começar a preparar a prova, façam treinos de subidas mas também de descidas. E a bom ritmo. Se só tiverem oportunidade de ler isto na fase final da preparação (ou quando já lá estiverem em Boston), abordem as descidas de forma rápida, mas sempre tendo em conta o impacto que estão a dar às pernas. Depois vão senti-lo.
Dos 15 aos 20 km: up and down antes da loucura
Tempo parcial: 0:20.51 (4’10/km)
Total: 1:22:58 (4’09/km)
Projeção: 2:55:02
Boston é uma maratona especial. As cidades onde o percurso passa saem à rua e fazem a festa. Alguns nem têm de sair muito da sua casa, limitando-se a vir para o quintal para aplaudir os corredores. É uma prova diferente de todas até por isso mesmo. Há pessoas a fazer churrascos (sim, de manhã) no quintal à passagem dos corredores, há cartazes super originais um pouco ao longo de todo o percurso. Os miúdos, bem novos, estão lá a apoiar, na esperança de dar um hi5 a algum daqueles desconhecidos corredores. Fartei-me de dá-los na primeira meia!
Mas o ponto principal de toda esta loucura surge ali aos 20 quilómetros. Na passagem pelo Wellesley College, depois de uma ligeira subida e consequente descida. Quando ali chegamos, são larguíssimos metros num túnel de loucura. O chamado ‘Scream Tunnel’. É absolutamente surreal o que se vive ali. Há quem até pare para beijar as miúdas que por ali estão. Elas não se importam, acreditem… No meu caso, ainda pensei nisso, confesso, mas a vontade de chegar a um sub-3 fez-me continuar. Não me arrependo… mas com 33 segundos acho que ainda dava para qualquer coisinha 😂
Nutrição: segundo High Energy Gel às 1:10 (até ao momento: 400 kcal + 100g de hidratos)
Dica 10: cuidado com o entusiasmo inicial e também à passagem dos mais entusiastas pontos de apoio. É muito fácil, sem notarmos, exagerarmos no ritmo e pagarmos mais à frente. Vibrem, claro, mas controlem-se. Vão agradecer depois.
Dos 20 aos 25 km: hora de abrandar… propositadamente
Passagem à meia maratona: 1:27:33 (4’09/km) – projeção para 2:55.06
Tempo parcial: 0:21.07 (4’13/km)
Total: 1:44:05 (4’10/km)
Projeção: 2:55:40
Quando passei a meia maratona e olhei ao relógio percebi que estava a fazer tudo aquilo que tinha idealizado. Ainda assim, ao avaliar as minhas sensações corporais percebia que tinha de fazer algo de diferente, sob pena de quebrar brutalmente na fase mais dura da prova. Por isso, em jeito de improviso, aos 21k defini que tinha de abrandar o ritmo. Dos 4’07/08 que vinha fazendo, queria abrandar até aos 4’15. Tinha essa margem para fazê-lo pelos dois minutos e meio ganhos na primeira meia, mas também tinha a necessidade de ganhar um pouco de fôlego para atacar as subidas que se seguiam. Não fiz os 4’15 que queria, mas não andei lá longe e, de certa forma, quando atingi os 25 quilómetros senti que tinha ganho efetivamente fôlego para atacar os 6 quilómetros de (suposta) maior dificuldade que vinha dali.
Dica 11: No percurso têm pontos de abastecimento a cada 2 milhas (creio) e, melhor de tudo, estão em ambos os lados e de forma dividida (ie. primeiro à direita e, depois, na esquerda). Isso permite que, caso percamos a primeira oportunidade, teremos sempre a segunda. Os voluntários são incríveis no trabalho que fazem. Quanto a nós, corredores, só falta às vezes ter noção de que não estamos a correr sozinhos…
Dos 25 aos 30 km: agora é que vão ser elas!
Tempo parcial: 0:21.34 (4’19/km)
Total: 2:05:39 (4’11/km)
Projeção: 2:56:44
Quando vejo o cartaz a anunciar a entrada em Newton sabia que vinha dali o ponto mais importante da maratona. Eram 6 quilómetros, com quatro subidas que teriam a função de colocar cada corredor no seu devido lugar. Assim. Simples. Quem está bem, quem se preparou bem, vai passá-las com maior ou menor dificuldade. Quem não está bem, que se preparou como se isto fosse uma brincadeira, vai sofrer… e muito! Uma coisa não invalida a outra, é certo, porque todos temos dias menos bons, mas a maior parte dos que ficam aqui, dos que sofrem horrores, são aqueles que não encararam a maratona com o respeito que ela merece. Com o respeito que a Maratona de Boston merece.
Fala-se muito da Heartbreak Hill pelo seu contexto histórico, mas as minhas pernas acusam outras duas como igualmente castigadoras. Especialmente a segunda, com cerca de meio quilómetro e com um ponto de inclinação máximo de 7%. Já a primeira, a mais longa de todo o percurso, será se calhar o ponto em que se começa a fazer a seleção, quase como se de uma etapa de ciclismo se tratasse. São 900 metros, com uma ligeira inclinação que não mata mas mói, e que pode deixar já muita gente ali. E depois a tal Heartbreak Hill. Não é só história, claro. Ela é bem dura. Tanto pela sua extensão (700 metros), mas também pela inclinação, com pendentes próximas dos 7%. Aqui não será de estranhar ver muita gente a caminhar. E ainda vamos no quilómetro 31/32.
Dica 12: A Heartbreak Hill é o ponto mais alto da fase mais dura do percurso, mas a dificuldade não está só aí, nem acaba aí. Não cantem vitória antes do tempo…
Nesta fase, com a poupança de esforço da légua anterior, pensei que conseguiria correr algures em torno dos 4’20/km, para perder uns 30 segundos em relação ao parcial anterior – e 1 minuto para a previsão final. E, olhando agora, vejo que cumpri isto na perfeição. O problema foi depois…
Nutrição: terceiro High Energy Gel às 1:40 (até ao momento: 600 kcal + 150g de hidratos)
Dos 30 aos 35 km: eu sabia que isto era duro… mas não tanto!
Tempo parcial: 0:21.50 (4’22/km)
Total: 2:27:29 (4’13/km)
Projeção: 2:57:48
Quando passo os 30 quilómetros, vinha mais do que bem para conseguir fazer até recorde pessoal, mas ainda faltava o ponto de maior dificuldade. Não pela dificuldade das subidas em si (porque como disse a primeira pareceu-me a pior), mas antes pelo desgaste acumulado. E, por isso, talvez se olhe para a Heartbreak Hill como a mais dura. A entrada nesta légua vinha num pequenino ponto de descida, seguido de uma ligeira mas cansativa e longa subida. Apesar disso, até voltei aos 4’15/km, até que chegou o momento da verdade. Podia dizer que quebrei, mas olhando aos parciais nem quebrei assim tanto… esquecendo o último km: 4’22, 4’24 e 4’32. Estava mais ou menos incrível no relógio, péssimo nas pernas!
Quando chego ao topo da Heartbreak, um enorme cartaz anuncia que tínhamos passado aquele ponto. “A partir dali é sempre a descer, vai ser fácil“, pensei eu na véspera. Chegado ao momento e ao local, a sensação foi totalmente oposta. Quando o percurso entra em plano, depois de atingir o topo, ainda consegui por instantes imprimir o ritmo que desejava, mas rapidamente as pernas decidiram fazer-me pagar pela primeira meia. Faço dois quilómetros relativamente rápidos, mas depois disso… kaput!
Dica 13: Se o dia estiver quente, como o foi neste dia, ingiram líquidos em todos os abastecimentos. Se tiverem usado Gatorade na preparação, ou estiverem habituados no geral, tomem também. Caso contrário… não inventem!
Nutrição: quarto High Energy Gel às 2:05 e Isotonic Gel às 2:20 (até ao momento: 890 kcal + 222g de hidratos)
Dos 35 aos 40 km: os 10 segundos a caminhar que salvaram (?) o meu sub-3
Tempo parcial: 0:22.20 (4’28/km)
Total: 2:49:49 (4’15/km)
Projeção: 2:59:08
Quando cheguei aos 35k ia com 2:30 minutos de margem na média para o sub-3. Tinha 7 quilómetros para gerir essa margem. Podia perder 20 segundos por quilómetro e mesmo assim conseguia-o. A minha cabeça entrou nesse modo calculadora. Se fosse a 4’30, dava! Mas nisto da maratona, quando a coisa aperta, o simples ritmo de jogging parece uma tortura. Especialmente com a pancada que tinha nas pernas.
Ao invés de conseguir imprimir os 4’10 que tinha idealizado para esta fase, sofria até para encaixar os 4’20. E aos 38 cheguei a um ponto em que tive mesmo de parar e caminhar. Encostei ao lado direito, bem junto às barreiras e tratei de tentar acalmar as pernas. O coração e a respiração estavam ótimos. Só tinha mesmo de permitir às pernas ganhar alguma força. À minha cabeça veio imediatamente o efeito que a pequena pausa teve no Rio de Janeiro. Sabia que aquele momento seria decisivo para o que vinha a seguir.
Foram uns 10 segundos de caminhada. Teriam sido muitos mais se não tivesse tido tantos gritos de apoio de quem estava ali junto das barreiras. Pessoas que nunca me viram. Que provavelmente nunca me verão novamente. Mas que foram decisivas para que não ficasse ali parado muito mais tempo. Sem elas, provavelmente teria ficado ali o dobro e deixaria a minha mente ser inundada por pensamentos negativos. Not today!
Voltei a correr empurrado por aquelas palavras de ânimo e tenho a certeza que foram elas que me levaram à meta sonhada. O ritmo já totalmente fora do que tinha pensado. Nesta fase só tinha o objetivo de conseguir fazer um sub-3. A muito custo, dali até final não mais parei. Perdi muitos segundos, nesta fase confesso que não vibrei com o apoio tanto quanto queria, mas não falhei!
Nutrição: High Fructose Gel às 2:35 (até ao momento: 1110 kcal + 277g de hidratos)
Dos 40 aos 42.195 km: sem nada nas pernas; só coração!
Tempo parcial: 0:09.38 (4’23/km)
Total: 2:59.27 (4’15/km)
Quando passo o marco dos 40 quilómetros tinha 10 minutos e uns segundos de margem para fazer os 2.2 km finais. Aqui já não havia descida. Era plano. Mas para mim continuava a parecer uma subida. Mais uma. Só queria manter os 4’30 ou algo mais rápido. Só queria continuar a correr. Quando passo o sinal da milha 25 começo a fazer contas de quanto era aquilo em quilómetros. Foi uma tortura, confesso. “Mas isto nunca mais acaba?“, pensavam as minhas pernas, mente e tudo o resto.
Era em modo sobrevivência nesta fase. Quando vejo que o percurso ia voltar à direita, sabia que só havia mais uma outra viragem. A multidão nas ruas era impressionante, mas eu já nem absorvia nada. Estava a tentar gerir o corpo e as emoções. No meio disto tudo, ao contrário muitas das maratonas mais recentes, tive o discernimento de me lembrar que tinha a bandeira comigo. A uns 400 metros da meta, imediatamente antes da curva para a reta final, coloca-o às minhas costas. Era o Momento!
Encosto-me ao lado direito (agora que penso, acabo sempre do lado direito…), aumento ligeiramente o ritmo e filmo a reta final. De repente, no meio de tanto berro que se ouvia, ouço o João. Tínhamos partido com uns 5 minutos de diferença, mas ele tinha quebrado e, numa espécie de justiça poética, acabámos juntos. Nesta fase, quando me viu, meteu uma mudança abaixo com o entusiasmo. Eu já não aguentava e disse-lhe para abrandar. O rapaz de repente ressuscitou! 😂
Quando vejo o pórtico ali à frente, sabia que não escapava. Olho uma última ao relógio e também sabia que não me escapava um outro sub-3. Numa das maratonas mais duras de todas as que corri. Cruzo a meta. 2:59:27! 33 segundos abaixo das 3 horas. 2 segundos mais lento do que Sevilha, sete semanas antes. Soltei um grito de celebração, abracei o João, comecei a agradecer aos incríveis voluntários e a sentir toda aquela vibração.
Dica 14: Levem a bandeira portuguesa e tirem-na na reta final. Acreditem, é uma sensação incrível!
Por momentos, confesso, fiquei desapontado. Secretamente queria tentar o meu recorde pessoal ali, mas rapidamente a minha mente se alinhou para pensar que o esforço que apliquei Boston, com esta dificuldade toda, teria dado pelo menos 2:57 num percurso plano. Parei e rapidamente mudei o foco do pensamento. O orgulho voltou a tomar conta dele. Não era para menos. Até pelo que veio depois: a entrega da medalha. Aquele unicórnio. O unicórnio mais desejado do mundo da corrida. O da 128.ª edição da Maratona de Boston. Faço parte dessa história. Faço parte dessa história como um dos 2300 corredores que neste dia bem difícil conseguiram fazer sub-3.
Perdoem-me a falta de modéstia, mas isto não é para qualquer um. Especialmente pelo dia algo quente que foi ficando, mas também pela própria exigência da prova em si. Praticamente todos quebraram na segunda meia. O segredo é quebrar o menos possível. Eu perdi 4:30 minutos da primeira para a segunda meia maratona. É muito? É. Mas Boston é Boston. E, curiosamente, num exercício de comparação curioso (e, se calhar, parvo), percebo que perdi menos do que Sisay Lemma, o vencedor da prova. À meia maratona perdia para o etíope 27:14 minutos. No final ‘apenas’ perdi 53’10, quando um dobrar da diferença teria dado 54:28. Not bad!
O pós à moda americana
Dica 14: Levem a bandeira portuguesa e tirem-na na reta final. Acreditem, é uma sensação incrível!
Os americanos são um povo estranho. Devem ter o maior rácio de gente maluca do planeta, mas nisto da corrida dão goleada a qualquer povo. Ao longo do percurso somos incrivelmente abraçados pelo seu entusiasmo. No pós-prova, como não se vê em mais lado algum, somos inundados com felicitações quando passeamos na rua com a medalha. Na Europa somos até olhados como malucos se o fizermos. Nos Estados Unidos, tal como vivi em Nova Iorque, Chicago e agora aqui em Boston, somos olhados como heróis. Fartamo-nos de ouvir felicitações, olhares de respeito, de admiração. E à passagem de outros maratonistas o sentimento de ligação é imediato.
Foi assim que passámos as horas e os dias posteriores à prova. De medalha ao peito, a passear pela cidade, na companhia de quem tornou esta viagem numa das melhores aventuras que tive. Começou mal, começou bem torta, mas foi fantástica. Eu conhecia todos, mas alguns dos outros não se conheciam. E o melhor que posso dizer da união que se criou é o facto de já estarmos a planear outra aventura destas.
Além da medalha ao peito, o pós-prova foi também (é bem necessário) passado a alimentar bem o corpo. Boston não é assim tão rico do ponto de vista gastronómico, mas sempre deu para conhecer algumas coisinhas. Em especial a típica sandes de lagosta. É cara, à imagem da sandes de pastrami do Katz Delicatessen de Nova Iorque, mas vale bem a pena. É uma vez na vida!
Dica 15: A melhor dica de todas. O que têm de comer no pós-prova.
– Lobster Roll: há vários locais onde podem comê-las em Boston e os preços andam todos em torno do mesmo (26 dólares). No nosso caso escolhemos o Lobstah on A Roll, perto da zona da meta, e ficamos bastante agradados
– Donuts: Não achei que Boston tivesse grande ofertas de donuts (mas também não procurei muito…), mas é quase obrigatório provar um Boston Cream.
– Samuel Adams: Sair de Boston sem provar uma cervejinha local, da Samuel Adams, a marca nascida na cidade, é também um crime. É só uma, não me acanhem!
– O hamburguer da praxe: Sair dos Estados Unidos depois de uma maratona e também não ir a um local de fast food é também um pequeno desperdício. Não ao McDonald’s (que por aqui não é nada de mais…), mas sim a Shake Shack, por exemplo. Um hamburguer, umas batatas fritas e um shake. Ficamos bem recuperados da pancada da maratona, certamente!
E agora… vamos lá a Kaunas!
Dica extra: Quando reservar hotel/Airbnb? Diria que podem começar por fazê-lo mal garantam um BQ com alguma segurança. Aqui o truque é fazer com cancelamento gratuito, de forma a que, caso não entrem, consigam reaver o vosso dinheiro. Esta dica do cancelamento gratuito leva a uma outra, que me apercebi já lá. Há vários corredores que acabam por não ir e os hóteis acabam com quartos vazios. Por isso, antes de voarem para Boston, diria que uns 3 dias antes, experimentem ver as opções disponíveis, pois podem encontrar preços bem interessantes.